Concessionárias de rodovias devem ser responsabilizadas por acidentes com atropelamento de fauna?

Que motorista nunca se deparou com um animal, doméstico ou selvagem, nas rodovias brasileiras? Se não for seu caso, agradeça.

Estimativas do Centro Brasileiro de Ecologia de Estradas (CBEE), da Universidade Federal de Lavras, sugerem que entre 3 e 5 milhões de animais com mais de 3 kg são atropelados por ano nas rodovias brasileiras. Mesmo que animais de 3kg tenham menor possibilidade de dano direto, como amassar para-choques, causam riscos devido às reações dos motoristas.

Alguns números​

Alguns números

Acidentes com mortes ou danos graves às pessoas são bem documentados pelos boletins de ocorrência das polícias rodoviárias federal e estaduais.

Números oficiais de 2019 mostram que 1372 acidentes ocorreram devido atropelamento de animais nas rodovias federais. Destes, 81 tiveram vítimas fatais e 983 pessoas feridas. Entretanto, se aceitamos que há 3 a 5 milhões de atropelamentos de animais acima de 3kg todos os anos, devemos nos perguntar quantas ocorrências nunca são noticiadas. Certamente os danos destes acidentes são cobertos pelo proprietário do veículo. 

A discussão sobre responsabilidades de atropelamento de fauna em estradas é ampla e controversa, certamente com vieses distintos quando falamos de rodovias sob concessão ou não.

O que diz a justiça?

O que diz a justiça?

No começo de 2020 a 2o Instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) confirmou que a concessionária BR 040 S/A deverá indenizar um condutor pelos danos causados em seu veículo, devido danos decorrentes do atropelamento de uma anta (Tapirus terrestris). O valor da indenização foi de R$ 12,9 mil.

Concessionárias de rodovias devem se responsabilizar por mortes em rodovias
Concessionárias devem se responsabilizar por mortes em rodovias
A discussão obviamente foi pautada por divergências. Você pode ver alguns trechos do Acórdão que negou o recurso da concessionária.

“…, a ré, ora apelante, aduz, que não se configura a responsabilidade objetiva calçada na falha do dever de fiscalização, e que o dono do animal é o responsável pelo evento danoso. Afirma que adota todas as cautelas em relação aos serviços prestados na rodovia e que a pista é inspecionada 24 horas por dia, ressaltando a imprevisibilidade e inevitabilidade do acontecimento atípico. Que não houve nexo de causalidade entre o dano e a conduta da apelante, pugnando pela improcedência da condenação pelos motivos acima expostos.”.

“A princípio, cabe ressaltar que o caso em questão será analisado à luz do Código de Defesa do Consumidor, o qual adere à teoria da responsabilidade objetiva, a qual dispensa a comprovação da culpa do agente em relação ao ato danoso para caracterizar o dever de indenizar, bastando, então, a ocorrência do dano e o nexo de causalidade. Sobre a aplicabilidade do CDC em casos análogos, já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça:

“CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA – ACIDENTE COM VEÍCULO EM RAZÃO DE ANIMAL MORTO NA PISTA – RELAÇÃO DE CONSUMO. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranquilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101 do Código de Defesa do Consumidor”. (RESP 467 883 – RJ/Relator: Ministro CARLOS ALBERTO DIREITO).”

” Nesse sentido, para reconhecer o dever de indenizar, é suficiente a demonstração do dano e do nexo de causalidade, cabendo à concessionária do serviço público comprovar a ocorrência de uma das causas excludentes da responsabilidade.

No presente caso, não há dúvidas de que o acidente ocorreu por causa da presença de animal (anta) na rodovia sob a concessão da apelante, sendo possível constatar que o dano e o nexo causal restaram devidamente demonstrados conforme prova de fls. 1415 (boletim de ocorrência da polícia rodoviária federal) e declaração de atendimento, fls. 16.”

Este caso não é inédito. Decisões semelhantes já foram obtidas em datas anteriores (ver TJMG – Apelação Cível 1.0223.15.004162-0/001, 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/06/2019, publicação da súmula em 05/07/2019).

Você não precisa grande esforço para encontrar um abundante material que envolva o tripé Animais x Concessionárias X Acidentes. A matéria abaixo é uma das dezenas que demonstram que os problemas não são pontuais, mas corriqueiros e ocorrem em todas as concessionárias.

Soluções

Soluções

Hoje virou uma verdadeira mania nacional a obrigatoriedade da implantação de medidas de mitigação, normalmente na forma de passagens (túneis) sob às rodovias. Passagens de fauna são uma estratégia excelente, mas custam muito caro e devem ser planejadas e instaladas segundo estudos e análises de dados específicos. 

Passagem de fauna responsiva
Passagem de fauna responsiva

Vários, e não são poucos, estudos têm mostrado que os famosos hotspots de atropelamento de fauna podem ser extremamente variáveis para um mesmo trecho. Eles podem variar no tempo e/ou no espaço. Isso significa dizer que um ponto com grande incidência de atropelamento pode estar localizado em um trecho hoje e em outro daqui a seis meses.

As concessionárias ainda não perceberam que a mitigação dos atropelamentos de animais não é um processo pontual, que se encerra com a construção de passagens. Está na hora dessas empresas fazerem bom uso de dados e tecnologia existente para que a tomada de decisão seja realizada continuamente.

A maioria das concessionárias têm, por contrato, que registrar e dar destinação aos animais (vivos ou mortos) encontrados na sua área de domínio. Também deve haver um registro da ocorrência.

Estas informações normalmente são subtilizadas e vistas como mais um dado para ser enviado para órgãos ambientais e de regulação. Nada mais equivocado, pois se corretamente processados são uma fonte infindável de informações para tomada de decisão estratégica e operacional.

Duas estratégias lançadas pela EnvironBIT, empresa focada em redução de impactos de infraestrutura viária na biodiversidade, são o app U-Safe e o B.I. de análise de dados. Ambas atuam em conjunto e oferecem insights para respostas rápidas, precisas e de baixo custo para as empresas. 

Conclusão

Conclusão

Respondendo a pergunta colocada no título, sim, as concessionárias devem ser responsabilizadas pelas ocorrência de acidentes envolvendo atropelamento de animais. Se o animal for doméstico e possuir dono, a concessionária deverá acioná-lo para ser ressarcida pelos valores gastos com a ocorrência dentro da área de concessão.

Se o acidente for com animal selvagem a empresa deve aprender com os erros, aprimorar as estratégias de exclusão dos animais e contratar profissionais/empresas qualificadas para o processo de tomada de decisão. 

A não tomada de decisão também é uma decisão.

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